Um amigo meu "acusou-me" (lembrou-me bem ao género de esfregar na cara :) ) que não tenho actualizado o meu blog. Esse meu amigo enviou-me uma carta daquelas que nos fazem pensar. Quando acabei de lhe responder pensei que, melhor que lhe enviar a resposta via email seria deixá-la aqui. Uma marca de um momento de reflexão, um desabafo, uma conversa entre dois amigos que não seja apagada pelo botão de Delete do teclado, após ter sido lida no programa de email:
> COMO?
>
> Como é que se consegue não ser suficiente.
> Como é que se vive com isso?
> Como é que conseguimos enfrentar a ideia de que tudo aquilo que fazemos,
> baseado numa lógica de positividade e afecto não serve de nada? Como é que
> se consegue de alguma forma racionalizar que o contributo das nossas acções
> não produz efeitos a qualquer nível?
> Como é que se aprende a não bastar? A ser aquilo que não chega? A não
> perceber o mínimo sentido para as coisas precisamente porque as reacções
> dos destinatários surgem absolutamente diferentes daquilo que pedem?
> Como é que se interioriza a futilidade dos nossos esforços? Como é que se
> consegue não ganhar importância, não importa o esforço, a abnegação, a
> entrega? Como é que se lida com a indiferença injustificada? Como é que
> nos tornamos capazes de encarar qualquer generosidade como intrinsecamente
> boa, mas factualmente inútil?
> Como é que conseguimos deixar de sentir alguma vergonha pelo que somos? Pela
> ingenuidade colocada em cada gesto tendente a dar alguma coisa? Como é que
> se aceitamos que uma certa linha condutora da vida quotidiana, assente num
> principio básico de não fazer mal e fazer bem se possível a alguém, seja
> insignificante?
> Como é que deixamos de nos sentir insignificantes? Como é que ganhamos um
> espaço á base dos esforços benignos, se de alguma forma acaba por nada
> significar?
> Como é que se propaga uma ideia contrária ao neo-realismo feiosos em que
> vivemos, através do simples acto de querer fazer mais que manter a
> elegância no contacto? Como é que se faz isso, se existe uma esquizofrenia
> clara na dinâmica da vivência entre as pessoas?
> Como é que ultrapassamos o egoísmo se chegarmos á conclusão de que ele é
> uma falsa, mas necessária ferramenta de sobrevivência?
> Como é que vivemos com o facto de nos envergonharmos por defender algo que
> parece perdido algures numa moderna e quixotesca cabeça? Como é que
> aceitamos e não cobramos a nós próprios a imensa tristeza de saber que
> não somos suficientemente importantes?
> Como é que se faz tudo isto?
> Como é que aceitamos tudo de todos e não somos aceites por quase nada? Como
> é que se consegue não ser alvo da mínima contemporização?
> Como é que se organiza uma vida? Como é que podemos de alguma forma deixar
> o mapa para o coração secreto, se somos somente sujeitos à pilhagem e
> exposição?
> Como é que se pode ser tão burro e ingénuo?
> Como é que se consegue ser eu?
>
> Como?
Incrivelmente... sem muito esforço! Começamos por comer a sopa, apesar de não gostarmos, porque a mamã ou o papá ralham e, quando damos por isso, estamos numa empresa, rodeados de gente imbecil que só pensa no seu próprio sucesso, chefiados por um imbecil maior que por sua vez é dirigido pelo(s) imbecil(is) mor que, apesar de todas as críticas, são exactamente aquilo que os imbecis dos nossos colegas aspiram a ser! Pelo meio tivemos de aturar imbecis na escola/faculdade (colegas, professores, auxiliares da secretaria, reitores, etc), aturar gajas imbecis só porque tinham um grande par de mamas ou um rabo de levantar o nabo até ao mais gay dos homens, ou os amigos imbecis das gajas baris, com quem namorámos ou gostávamos de namorar. E algures pelo meio fomos cedendo, pouco a pouco, uma vez que é preciso diplomacia, é preciso arranjar um compromisso, um meio-termo. Mas fomos perdendo a nossa identidade entre tantos meios termos! A única razão pela qual nos mantemos sãos é porque, no meio de tanta imbecilidade, de vez em quando, aparece alguém com rasgos de génio e/ou de lucidez e consegue-nos dar a beber um pouco dessa água da vida nesse deserto de identidades e ideias genuinas.
Tentamos abanar a cabeça, sacudir os ombros, piscar os olhos e tentar acordar deste pesadelo, apenas para ficarmos horrorizados ao constatarmos que esta é a triste realidade.
Um grande abraço, meu amigo!
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
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