Ontem cheguei a casa tarde, após alguns problemas para resolver no serviço e depois de andar a deambular pela cidade a tratar de assuntos. Não me apetecia jantar mas sentei-me no computador a tratar umas imagens que tinha tirado com a câmara digital, para as colocar num site. Não pude deixar de ouvir aquilo que passava na televisão. Aquela voz arrogante, pomposa e altamente penetrante que ecoava pela casa fora, escusando-se às perguntas feitas pela Judite de Sousa com uma habilidade de esgrimista capaz de envergonhar d'Artagnan, aí estava ele.
Paulo Portas
Se a classe política está cada vez mais afastada do "pobão" um dos líderes dessa vaga é, paradoxalmente, o líder do partido popular. Terminado o que me tinha proposto a fazer, e como não me queria deitar sem colocar nada no estômago, fui buscar um resto de melão (espanhol, com certeza, só sabia a água) ao frigo e sentei-me no sofá da sala com um tabuleiro, um guardanapo e uma faca. Enquanto cortava e comia as fatias ouvia a entrevistadora a fazer uma pergunta, não obter uma resposta, refazer a pergunta, de novo não obter uma resposta, tentar a abordagem directa "Ainda não respondeu à minha pergunta" e receber em troco várias perguntas. Respostas, 0.
Deve haver um qq síndrome da classe política que impede que os seus cérebros processem uma resposta simples e directa. Com efeito, os cérebros dos políticos, devem estar já tão treinados a não responderem à mais simples das perguntas sem antes pesarem os prós e os contras de cada possível resposta (num verdadeiro xadrez mental - seria o Kasparov político? huum) que pode ser perigoso perguntar-lhes o caminho para algum sítio, caso esteja perdido, ou, pior, onde fica o WC mais perto, caso esteja aflito.
Perdem-se em deambulações, demagogias, avanços e retrocessos e filosofias baratas. Causam autênticos malabarismos de palavras na esperança de que o espectador ignore/esqueça a pergunta e se delicie a ouvir o quão bem jogam com as palavras e quão complexo é o seu raciocínio para poderem responder directamente aquela pergunta. Mas que esperam eles? Ouvir um "Bravo! Bis!"? O povinho, do qual faço parte, já está farto de diálogo. O Engº António "3% do PIB ... é fazer as contas" Guterres arruinou por completo essa possibilidade. O povo está farto de palavras, quer acções. As palavras leva-as o vento. As acções, quando bem concretizadas, não carecem de (grande) explicação. Quando carecem é porque algo não foi bem pensado. E ontem o Dr. Paulo Portas nem sequer conseguiu explicar convenientemente o porquê de ter comprado dois submarinos que, em caso de guerra, de pouco nos valem. Chegou inclusive a invocar o saudosismo dos descobrimentos ao referir que não se admitia que Portugal, outrora a maior potência marítima mundial, não tinha hoje uma armada decente.
Já estou a imaginar um jornalista, novato, perdido nos corredores da AR perguntar-lhe:
J - Dr. Paulo Portas, pode-me dizer onde é o WC mais próximo?
PP - Bem há vários, tem um na ala norte, mas é demasiado próximo dos socialistas, se calhar é melhor não ir para esse. Tem um na ala sul, mas é colado às paredes dos gabinetes do PP e pode escutar algumas conversas privadas. Não esse tb não. Depois tem...
J - Desculpe, Dr. Paulo Portas, mas é urgente...
PP - Sim, sim. Eu compreendo a sua urgência. Quem não gosta de, quando a necessidade surje, ter logo ali um WC à mão? Mas já pensou nas intrincâncias de escolher adequadamente um WC? Afinal passamos grande parte das nossas vidas lá. Olhe, acho até que vou remodelar todos os WC públicos...
J - Talvez o Sr. não esteja a perceber... eu estou realmente aflitinho...
PP - Oh, claro! Bem como ia dizendo o da ala sul não, restam-lhe os da ala oeste e leste. O de leste é dos comunistas e dos bloquistas. Se calhar não ia aí, pode apanhar qq coisa, he he, percebe? E o da ala oeste é ...
J (após uns graves sons guturais) - Ah! Deixe estar, Dr., já não é preciso. Agora pode-me dizer como chamar a senhora da limpeza, ou podemos ficar aqui a ouvir o som da sua voz a ecoar pelos corredores...
E por aqui me fico...
sexta-feira, setembro 26, 2003
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