Chove lá fora.
Dentro de casa o menino vê as gotas colarem-se aos vidros da janela do seu quarto.
Lentamente as gotículas juntam-se uma a uma, amontoam-se e depois escorrem pela janela abaixo numa alegre correria.
De repente tudo muda, a chuva e o quarto não existem mais. Tudo o que existe é a janela, as gotas de água que se formam na janela e ele.
E ele não é mais um menino, é um jockey de gotas de água numa corrida interminável.
Ele observa-as em formação, identifica o momento propício em que elas vão começar a correr e escolhe uma, tentando apostar na mais rápida.
Mas o importante não é ganhar.
É aquela alegria que ele sente a escorrer pelo vidro abaixo, montado nas gotaa, uma após a outra.
Cada corrida demora apenas uns segundos, mas são os segundos mais excitantes que ele já viveu até ao momento.
E esses segundos, todos juntos, são minutos.
E esses minutos, todos somados, dão horas.
E a cada corrida que acaba ele tem apenas uma fracção de segundo para escolher outra gota.
E nessa fracção de segundo ele é dono e senhor do seu nariz.
Não tem ninguém para lhe dizer qual a gota que pode ou não escolher.
Ele é o rei das gotas de água.
Então, de repente, ouve uma voz:
Filho, não vens almoçar? Estou-te a chamar há uma eternidade...
É a voz da mamã.
E com ela vem o quarto e a chuva e os brinquedos e as suas roupas normais.
(bolas, podia ter ficado com o capacete e as botas de jockey)
Consternado ele obedece.
Estava a brincar, mamã... não te ouvi.
Mas ela não entende como é que ele pode estar a brincar, se estava parado a olhar para uma janela molhada pela chuva.
Quando acaba de almoçar, a chuva já parou.
Ele vai até à janela do seu quarto, mas o Sol já secou todas as gotas.
Abre a janela e o único vestígio da chuva é o agradável cheiro a fresco que sente.
Resignado, vai até ao jardim e senta-se na relva molhada, com os braços cruzados em cima dos joelhos.
É capaz de demorar um pouco até voltar a chover.
http://oinconformado.blogspot.com
2 comentários:
Gosto deste menino.
E este é daqueles pedacinhos de escrita que nos enriquecem e nos confortam por dentro, de forma simples e talvez incompreensível, mas intensa - exactamente como o prazer de montar gotas de chuva que se lançam vidro abaixo à nossa frente!
Obrigado.
Já vem aí outro menino a caminho :).
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